Como sabem tenho acompanhado de perto o processo das primárias norte-americanas, de certa forma é fácil perceber o interesse que aquelas eleições geram por todo o mundo e como, por exemplo, em mim geram maior interesse do que a própria politica nacional. Tentarei explicar com alguns exemplos o porquê.
Façam uma visita pela página da wikipédia de Barack Obama, Hillary Rodham Clinton ou John McCain. Encontrarão uma descrição pormenorizada sobre a vida de qualquer um deles, e não somente sobre a vida politica, falo claro da vida pessoal e das suas decisões pessoais. Cada um deles enquanto candidato ao cargo mais alto da sua nação, não se importa que o seu percurso pessoal seja referido, aliás, querem que o seu percurso pessoal seja tido em conta, este percurso é tão ou mais importante para a sua eleição do que o percurso politico. Nos EUA, uma pessoa para atingir o cargo de presidente da nação tem de começar a corrida ainda nos primórdios da sua vida universitária. Vejam agora o caso do primeiro-ministro português, José Sócrates, o que se sabia sobre a sua vida pessoal quando o homem foi eleito? Nada, e só agora se vão revelando (num processo não habitual em Portugal, logo classificado pelo nosso primeiro como ataque pessoal e politico) algumas coisas sobre a sua educação, o seu percurso inicial na câmara da Covilhã, etc... Em Portugal para ser primeiro ministro basta ter percurso politico - a vida pessoal de pouco conta (bem, o Santana Lopes talvez discorde neste ponto).
Mas passemos para a vida politica. Quando Sócrates foi escolhido para nosso primeiro o que se sabia sobre as suas opções politicas? Era um socialista como outros tantos, e mais? Nada. O sistema português não favorece a fiscalização politica do seu povo aos seus politicos. As decisões no parlamento pelos deputados são tomadas em bloco. Raramente um socialista vota contra um projecto de um socialista, e vice-versa para os sociais-democratas, centristas, comunistas e bloquistas. Agora veja-se o caso dos candidatos às eleições norte-americanas: é possível estabelecer algumas diferenças entre Clinton e Obama, nomeadamente nas votações que realizaram no Senado, mesmo sendo ambos democratas. Houve leis patrocinadas por Obama contra as quais Clinton votou, e houve leis patrocinadas por Clinton que Obama votou desfavoravelmente - em Portugal tal será inimaginável.
No sistema americano cada um pode pensar pela sua cabeça, no nosso, não. É uma diferença assinalável. Em última análise, no sistema americano cada um pode defender os interesses que bem entender, em Portugal os interesses são defendidos em bloco. Em Portugal há um compadrio podre que começa a ser aprendido logo na base, por exemplo, com as "assinaturas de favor" de Sócrates enquanto engº técnico na câmara de Covilhã para o engº seu amigo da câmara da Guarda... e Menezes não é melhor. Quando rebentou a noticia do financiamento ilegal pela Somague ao PSD, o PS calou-se (não por acaso), e agora que rebentam noticias sobre a vida pessoal de Sócrates, outros se calam (não por acaso).
Da minha parte espero que O Público mantenha o rumo que traçou. No caso da licenciatura foi dos poucos jornais a pegar (e dar cobertura) à noticia - e se na altura a coisa tinha começado na blogosfera, nos casos mais recente é puro trabalho de investigação do jornalista José António Cerejo. Continuo é à espera do dia em que os jornais nacionais também copiem os americanos noutro aspecto, a sua declaração de apoio aos candidatos ao cargo mais alto da nação. O New York Times apoia Hillary Clinton e o Los Angeles Times Barack Obama. Na prática limitam-se a fazer uma coisa que, para quem os lê regularmente como eu, já era evidente. O NYTimes favorece noticias a favor de Clinton, o LATimes o contrário. Em 2004 o Público fez sair em editorial que apoiava John Kerry nas eleições americanas, fico à espera que em 2009 tenha a coragem de apoiar um dos candidatos nacionais ao cargo de primeiro-ministro da nação.
Nos Estados Unidos toma-se posição, em Portugal não. Nos Estados Unidos tudo é por demais evidente, em Portugal não. Nos Estados Unidos existem lobbys, por cá também, mas lá sabemos quem são, por cá talvez não. Nos Estados Unidos posso vir por exemplo aqui e descobrir quem deu dinheiro a quem, em Portugal não. Nos Estados Unidos o cidadão comum envolve-se na politica (o último debate entre Clinton e Obama parecia um jogo de futebol), em Portugal não. Nos EUA há voluntários a trabalhar para este ou para aquele candidato, em Portugal há juventudes partidárias.
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